Previous Next

Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria

1. Amados irmãos e irmãs, convido-vos a sentir e a consentir com emocionada alegria o facto de as Igrejas do Oriente e do Ocidente, embora tantas vezes divididas entre si, estarem hoje, dia 8 de dezembro, unidas em maravilhosa harmonia para celebrar a Mãe de Deus no singular privilégio da Conceição Imaculada da sua humanidade, nove meses antes do seu Nascimento ou Natividade, que jubilosamente celebraremos no dia 8 de Setembro.
 
2. É bom e belo sabermos e sentirmos que hoje estamos em comunhão e sintonia com essas Igrejas sofridas e doridas do Oriente, nossas irmãs queridas, que sempre dedicaram à Mãe de Deus um muito particular carinho traduzido em tempo dado à Mãe de Deus. Só quem ama tem tempo, e até o inventa, se necessário. É assim que os Coptos dedicam a Maria o inteiro mês de Kiahq, que coincide mais ou menos com o nosso mês de Dezembro, e os Caldeus, os Antioquenos e os Maronitas celebram, também nesta altura do ano, e durante pelo menos quatro Domingos, o tempo da chamada Sûbbarâ ou «Anunciação» ou «Evangelização», que é a Vinda de Deus ao nosso mundo, em catadupa, dia após dia, para abrir as trincheiras dos nossos empedrados corações, e fazer nascer em nós um mundo novo, aberto, encantado e feliz, um canteiro de rosas perfumadas. É o que literalmente significa Nazaré, cidade florescida, pois Nazaré deriva etimologicamente de natsar [= florescer]. E é assim que Maria é a cidade florescida e fruticada, e não apenas fortificada, de Deus descida, desposada, não abandonada.

3. Quando revisitamos os dois quadros de anunciação que Lucas nos serve alinhados lado-a-lado, o anúncio no Templo a Zacarias e o anúncio em Nazaré a Maria, saltam logo à vista a diferente identidade, os contornos e o contraste das figuras. O Anjo Gabriel (cf. Lucas 1,19), no Templo, aparecido a Zacarias, anuncia-lhe a fecundidade de Isabel e o nascimento de João como cumprimento da sua oração (Lucas 1,13). Em puro contraste, o mesmo Anjo Gabriel, na humilde Nazaré (Lucas 1,26), anuncia a Maria o inaudito, sem precedentes na história de Israel. O Filho que vai nascer (Lucas 1,31) não surge como o fruto de um desejo ou de uma súplica de Maria, não vem cumprir nenhum projeto de Maria, nenhuma espera ou expetativa de Maria, nenhuma programação desde baixo! Antes pelo contrário, dado que Maria avança mesmo a impossibilidade real de tal poder vir a acontecer: «Como poderá isso acontecer, pois não conheço homem?» (Lucas 1,34). Contraste exposto a toda a luz: João é fruto de um intenso desejo e correspondente súplica de Isabel e Zacarias; Jesus é fruto da iniciativa surpreendente, livre e gratuita de Deus, não dedutível ou programável da nossa parte. É como se as escolhas dos pais de João Batista, por um lado, e da mãe de Jesus, por outro, derivassem de duas lógicas diferentes. Contemplando este cenário e parafraseando Bento XVI (Exotrtação Apostólica Verbum Domini [2010], n.º 123), poderíamos dizer assim: «nós podemos programar uma festa,/ mas não podemos programar a alegria,/ não podemos programar Maria». Ela salta fora do horizonte do desejo, não é possível encerrá-la dentro do perímetro da linguagem, da fita métrica das palavras por mais extensa que ela seja, como quando longa e belamente desfiamos as contas, a harizah das ladainhas.

4. «Onde estás?», pergunta o Deus-que-Vem por amor ao encontro da sua criatura dileta (Génesis 3,9). «Tive medo e escondi-me», responde Adam e respondemos nós, amedrontados e fugidos, perdidos, ensonados e desorientados (Génesis 3,10; ver também Génesis 3,24; 4,16; 11,2).

5. Adam tem medo de Deus e esconde-se de Deus. Quem é este Adam que tem medo de Deus e de Deus se esconde? É o epónimo da humanidade, e, ao mesmo tempo e inseparavelmente, a humanidade inteira, que ele representa e que nele se revê. Somos nós também, portanto. Com a agravante de que nós, não apenas nos escondemos de Deus, como vamos escondendo também Deus, retirando-o da família, da escola, do espaço público! E, portanto, esta história de Adam não é uma história anódina. Envolve-nos, implica-nos, significa-nos, tem a ver connosco. Enxerto, por isso, aqui uma pequena, mas significativa história direta e incisiva, que contam os mestres judeus. Estava, contam eles, o Rabino Shneur Zalman (1745-1812) preso em São Petersburgo, quando entrou na sua cela o comandante da guarda, que se pôs a conversar com ele sobre assuntos diversos. No final, perguntou, com não-disfarçada ironia, ao velho Rabino: «Olha lá, como é que se deve interpretar que o Deus Omnisciente pergunte a Adam: “Onde estás?”». E o velho Rabino respondeu de pronto: «Você acredita que a Escritura é eterna e que diz respeito a todos os tempos, a todas as gerações e a todas as pessoas?». «Sim, acredito», respondeu o comandante da guarda. «Então, continuou o velho Rabino, em cada tempo Deus pergunta a cada homem: “Onde estás no teu mundo? Dos dias e dos anos que Eu te dei, já passaram muitos. Entretanto, até onde é que tu chegaste no teu mundo?”. Deus disse, por exemplo, adianta o Rabino: “Vê, já há 46 anos que andas aqui. Onde te encontras?”». Ao ouvir o número exato dos seus anos, o comandante sentiu dificuldade em controlar-se, pôs a mão no ombro do Rabino, e exclamou: «Bravo, bravo!». Mas o seu coração tremia.

6. Quando pressentimos que Deus está aqui, não nos resta senão estremecer, não de medo, mas de emoção, de modo a sentir que são abalados os nossos fundamentos. Assim Maria, Mãe de Deus e Nossa Mãe e Padroeira Principal de Portugal, quando visitada por Deus, estremece de alegria, e pronuncia aquele imenso SIM, que ainda hoje ecoa nesta Catedral e abalroa os nossos corações, rebentando as nossas solidões.

7. Que belo foi quando, nas escavações levadas a cabo em meados do séc. XX, antes da grandiosa construção da atual Basílica da Anunciação, em Nazaré, inaugurada em 25 de março de 1969, se descobriram os majestosos pilares de uma velha Catedral, datada de 1099, bem como o pavimento em mosaico de uma bela igreja bizantina, que pode ser datada do ano 450. Mas mais belo ainda é descer mais fundo ainda, até às entranhas da atual Basílica, e aceder à Gruta da Anunciação, sob cujo altar se lê a inscrição Verbum caro hic factum est [«Aqui o Verbo se fez carne»], e a outros lugares de culto antigos, talvez já do século II. Numa grafite antiga foi encontrada a gravação XE MAPIA, abreviação de Chaîre Maria, a primeira Ave-Maria da história!

Senhora de dezembro,
Maria, minha Mãe,
Passa hoje o dia
Da tua Imaculada Conceição.

Senhora de dezembro,
Dos dias frios e frágeis,
Dos passos firmes e ágeis,
Do coração que velava
À espera de quem te amava.

Assim te entregaste a Deus,
De coração inteiro,
Como um tinteiro
Todo derramado numa página.

Tu és a mais bela página de Deus,
Por Deus pensada, amada, visitada,
A Deus doada, apresentada, dedicada,
Mãe da vida consagrada,
Imaculada,
Ensina-me a tua tabuada,
A tua alegria nunca programada,
A luz do Evangelho que te aquece e alumia.

Eu te saúdo, Maria,
Neste dia da tua Imaculada Conceição.
Ave-Maria.


Lamego, 08 de dezembro de 2017, Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria

+ António, vosso bispo e irmão

A acontecer...

Seg. Ter. Qua. Qui. Sex. Sáb. Dom.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Pesquisar

Redes Sociais

Fale Connosco

  254 612 147

  curia@diocese-lamego.pt

  Rua das Cortes nº2, 5100-132 Lamego.

Contacte-nos

Rua das Cortes, n2, 5100-132 Lamego

 254 612 147

 curia@diocese-lamego.pt

 254 612 147